Trabalhar em navios de bandeira australiana

Quem pretender trabalhar a bordo de navios com bandeira da Austrália, deve solicitar o reconhecimento prévio das suas qualificações à administração marítima deste país - a Australian Maritime and Safety Authority (AMSA), conforme previsto na Convenção STCW.

A Austrália tem acordos com alguns países para o referido reconhecimento. Porém, Portugal não está incluído na lista. O que significa isso?

apormar 800x550 73.png

A Austrália tem o sexto maior território terrestre e a terceira maior jurisdição marítima do mundo. A sua história, geografia, diversidade cultural e biodiversidade, fazem deste país, ilha, continente, uma gigante nação marítima.

Bastaram apenas quatro anos, após a ratificação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), em 1994, para a Austrália lançar a sua política integrada do oceano, sendo assim um dos países pioneiros, no reconhecimento da importância da economia do mar e do seu uso sustentável.

Hoje, mais do que nunca, o desenvolvimento da economia azul faz parte da agenda política da Austrália e somam-se as estratégias setoriais. A Austrália é uma potência terrestre e está a construir uma potência marítima, baseada no conhecimento, na proteção e na utilização sustentada do oceano, em termos ambientais, económicos e sociais.

Austrália em números

A Austrália é a sexta maior nação do mundo, depois da Rússia, China, Estados Unidos, Canadá e do Brasil. A sua costa marítima estende-se ao longo de cerca de 60 000 quilómetros.

A Austrália tem atualmente uma população de 25 milhões de pessoas. Mais de 40% da força de trabalho tem educação superior.

Em 2018, a economia australiana ocupou a posição de 13ª maior economia do mundo e a quinta maior da região asiática, apesar do facto do país ter apenas 0,3% da população mundial.

A Austrália recebe um grande número de estudantes estrangeiros, sendo considerado o 3º destino mais popular do mundo para educação. Em 2016, atraiu mais de 550 000 estudantes internacionais para o seu ensino superior, ensino profissional e cursos de formação.

De acordo com a UNWTO (United Nations World Tourism Organization), a Austrália é o 10º maior mercado turístico mundial.

A Austrália é também um dos principais países da Antártida. Vários cientistas marinhos trabalham em navios de pesquisa australianos nesta região.

Em toda a Austrália, mais de 2300 cientistas marinhos trabalham em pesquisa, numa ampla gama de disciplinas.

A Austrália foi classificada como o 4º país mais inteligente do mundo, pelo INSEAD Business School. A tecnologia de LAN sem fio, hoje conhecida como Wi-Fi, foi inventada por cinco cientistas da CSIRO, uma agência independente do governo federal australiano, responsável pela pesquisa científica na Austrália.

Em 2008, com o objetivo de quantificar o valor da economia azul, o Australian Institute of Marine Science (AIMS) publicou o Index of Marine Industry 2008 . Este documento é publicado de dois em dois anos, sendo de alguma forma semelhante à Conta Satélite do Mar publicada em Portugal pelo INE.

De acordo com dados publicados pela UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development), em 2019 a Austrália detinha uma frota de 574 navios com arqueação superior a 100GT, tendo apresentado uma taxa de crescimento de 9,9% neste ano.

Por todas as razões apresentadas, é perfeitamente natural e legítimo, que um marítimo detentor de um certificado emitido em Portugal, deseje trabalhar a bordo de um navio com bandeira australiana.

EM TEORIA

  • Portugal e a Austrália são ambos Estados-Membros da Organização Marítima Internacional (IMO);

  • Ambos os países ratificaram a Convenção STCW (Convenção Internacional sobre Normas de Formação e Certificação de Serviço de Quartos para os Marítimos, 1978, conforme emendas);

  • Ambos os países estão incluídos no documento MSC.1/Circ.1163/Rev.12, publicado pelo Maritime Safety Committee (MSC) da IMO, em 24-07-2019 (Parties to the International Convention on Standards of Training, Certification and Watchkeeping for Seafarers (STCW), 1978, as amended, confirmed by the Maritime Safety Committee to have communicated information which demonstrates that full and complete effect is given to the relevant provisions of the Convention), de acordo com a Regra I/7 da Convenção STCW (Comunicação de informação);

  • Ambos os países estão incluídos no documento MSC.1/Circ.1164/Rev.22, publicado pelo Maritime Safety Committee (MSC) da IMO, em 23-12-2020 (Promulgation of information related to reports of independent evaluation submitted by Parties to the 1978 STCW Convention, as amended, confirmed by the Maritime Safety Committee to have communicated information which demonstrates that Parties are giving full and complete effect to the relevant provisions of the Convention), de acordo com a Regra I/8 da Convenção STCW (Normas de qualidade).

Não existe, no entanto, um acordo escrito entre Portugal e a Austrália (written undertaking) , de acordo com o preconizado na Regra I/10 da Convenção STCW (Reconhecimento de certificados) e com o documento MSC.1/Circ.1450, publicado pelo Maritime Safety Committee (MSC) da IMO, em 24-01-2013 (Guidance on arrangements between Parties to allow for recognition of certificates under Regulation I/10 of the STCW Convention).

De facto, consultando a informação publicada na plataforma da IMO (Parties whose Certificates are recognized in Compliance with regulation I/10 - Information received from STCW Parties indicating other STCW Parties' certificates that are recognized for service on ships flying their flag), seguindo a ligação e selecionando a Austrália, é apresentada a seguinte lista de países cujos certificados são reconhecidos por este país, de acordo com as disposições da Regra I/10:

  • Belgium

  • Canada

  • China (Hong Kong, China)

  • Denmark

  • Fiji

  • Finland

  • France

  • Germany

  • Greece

  • India

  • Ireland

  • Islamic Republic of Iran

  • Italy

  • Malaysia

  • Netherlands

  • New Zealand

  • Norway

  • Papua New Guinea

  • Philippines

  • Romania

  • Singapore

  • South Africa

  • United Kingdom

  • United States

Visitando a plataforma online da administração marítima da Austrália – Australian Maritime and Safety Authority (AMSA), encontramos a seguinte informação (transcrição integral):

International qualifications

You must hold the right qualifications to perform specific duties on an Australian ship. Get an AMSA issued certificate to work on an Australian registered vessel in international waters.

Country eligibility for certificates of recognition

We have agreements with some countries to allow you to get a certificate of recognition for your qualifications.

If you hold valid foreign seafarer qualifications under the International Convention on Standards of Training, Certification and Watchkeeping for Seafarers (STCW), and you are an Australian citizen, permanent resident or hold a current Australian work visa you can apply for a certificate of recognition.

Please note: Below is a list of countries AMSA has an agreement with. However, application for a certificate of recognition will only be accepted from countries that have also given full and complete effect to the relevant provision of the convention. In determining these countries AMSA will be guided by the latest IMO circular MSC.1/Circ.1164.

Countries that we recognise qualifications

  • Bangladesh

  • Belgium

  • Canada

  • Denmark

  • Fiji

  • Finland

  • France

  • Georgia

  • Germany

  • Greece

  • Hong Kong

  • India

  • Iran

  • Ireland

  • Italy

  • Kiribati

  • Malaysia

  • Netherlands

  • New Zealand

  • Norway

  • Pakistan

  • Papua New Guinea

  • Philippines

  • Romania

  • Singapore

  • South Africa

  • Sri Lanka

  • Sweden

  • United Kingdom

  • United States of America

If your country is listed, you can apply for a certificate of recognition.

If your country is not listed, you cannot apply for a certificate of recognition and will have to apply for new seafarer qualifications.

Important disclaimer

These instructions are summary information only. If you need formal assessment for a qualification, you must apply in writing to us using Seafarer form 419. We will not process any applications that do not include all required documents in their original form, or are true certified copies. If you have forgotten to provide any documents, or have not provided originals or certified copies, you may need to pay a new application charge.

NA PRÁTICA

De acordo com a informação apresentada, somos levados a concluir que os certificados de competência e de qualificação emitidos em Portugal, de acordo com o estabelecido na Regra I/10 e no parágrafo 7 da Regra I/2 da Convenção STCW, não são linearmente reconhecidos na Austrália, dado que não existe um acordo ou memorando de entendimento estabelecido.

Quisemos saber, na prática, como se processa o reconhecimento dos referidos certificados emitidos em Portugal, quando são apresentados diretamente pelos marítimos titulares dos mesmos, aos serviços competentes da Australian Maritime and Safety Authority (AMSA).

Para este efeito, submetemos um pedido de informação na sua plataforma, em nome de um oficial da marinha mercante (colaborador da Apormar devidamente identificado), com um certificado de competência de acordo com a Convenção STCW.

A mensagem incluiu o seguinte texto:

“I am a portuguese marine engineer, working as engineer officer on merchant navy ships. I have a certificate of competency as engineer officer and several STCW certificates of proficiency.

I am interested in working on Australian flag ships.

However, I visited your page Country eligibility for certificates of recognition (https://www.amsa.gov.au/qualifications-training/equivalent-qualifications-and-skill-recognition/country-eligibility) and I see that Portugal is not listed.

What should I do so that my certificate of competency and my STCW certificates of proficiency are recognized by AMSA?”

A resposta oficial chegou por email e apresentava, de forma sumária, o seguinte conteúdo:

“Thank you for contacting the Australian Maritime Safety Authority.

Please see the AMSA webpage Studying in Australia (https://www.amsa.gov.au/qualifications-training/international-qualifications/studying-australia), as this will outline what is required to study maritime courses in Australia.

Kindly note, you may wish to discuss recognition of prior learning with our Approved Training Providers. (https://www.amsa.gov.au/qualifications-training/international-qualifications/approved-training-courses)

If you have any further enquiries, please do not hesitate to contact us again.”

Perante a resposta vaga, embora enquadrada com a informação publicada em https://www.amsa.gov.au/qualifications-training/equivalent-qualifications-and-skill-recognition/country-eligibility, solicitámos esclarecimentos detalhados, tendo obtido a seguinte resposta:

“Thank you for contacting the Australian Maritime Safety Authority.

As AMSA do not have an agreement with Portugal under a memorandum of understanding you are not eligible to apply for a Certificate of recognition.

As Portugal is a signatory of the STCW convention, under Marine Order 70 you can apply for a restricted certificate of recognition.

A restricted certificate of recognition means a certificate of recognition restricted to the duties and term determined by AMSA.

Upon application for a restricted certificate of recognition, AMSA will make a determination to put a restriction on the duties and term of the certificate where AMSA deems necessary as we do not have an agreement with the country the primary certificate was issued in.

These restrictions are determined on a case by case basis during the assessment stage of the application.”

Perante a informação apresentada, questionámos quanto tempo seria necessário para a eventual formalização de um acordo ou memorando de entendimento com a Austrália, de acordo com o previsto na Regra I/10 da Convenção STCW, caso o mesmo fosse solicitado por Portugal. A resposta chegou com o seguinte conteúdo:

“The time it takes to process an agreement under a memorandum of understanding has no dedicated time limit, as there are several factors that may influence the agreement.

An agreement may take months or even years depending on these factors, and there is no guarantee an agreement will be reached if proposed.”

CONCLUSÕES

São várias as conclusões que se podem retirar da informação trocada com os serviços competentes da AMSA. É importante realçar que a mesma reflete a solicitação de um oficial da marinha mercante, com certificação STCW emitida em Portugal. Outros marítimos poderão obter resposta diferente, pelo que a informação é meramente indicativa, não devendo ser generalizada a outras situações particulares.

É, no entanto, esclarecedora da complexidade associada à questão do reconhecimento de certificados entre países, mesmo quando os mesmos são Estados-Membros da IMO e estão incluídos na lista de países que cumprem as disposições previstas na Convenção STCW.

O presente texto constitui conhecimento útil, em particular para todos os que ponderam iniciar uma carreira como oficiais em navios da marinha mercante.
Poderão, assim, proteger o investimento das suas poupanças e as poupanças das suas famílias, tomando melhores decisões no planeamento da sua educação e carreira profissional, nomeadamente através da adequada e consciente seleção da instituição de ensino marítimo a frequentar e do país que irá emitir os respetivos certificados internacionais.

FONTES DE INFORMAÇÃO E LEITURA RECOMENDADA

IMO - International Convention on Standards of Training, Certification and Watchkeeping for Seafarers

IMO - STCW Circulars

Texto da Convenção STCW, 1978, conforme emendas (em português do Brasil)
Sugerimos a leitura do Artigo II (Definições); Artigo VI (Certificados); Regra I/2 (Emissão e autenticação de certificados); Regra I/7 (Comunicação de informação); Regra I/8 (Normas de qualidade); e Regra I/10 (Reconhecimento de certificados).

Texto do Código STCW, 1978, conforme emendas (em português do Brasil)
Sugerimos a leitura da Secção A-I/7 (Comunicação de informação) e da Secção A-I/8 (Normas de qualidade).

Portaria n.º 253/2016 Consolidada
Estabelece os tipos de certificados profissionais, as condições para a sua emissão, a respetiva validade e os correspondentes modelos, no âmbito do Decreto-Lei n.º 34/2015, de 4 de março, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2012/35/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, que altera a Diretiva n.º 2008/106/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa ao nível mínimo de formação de marítimos, e procede à regulamentação da aplicação das Emendas de Manila ao anexo à Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos de 1978 (Convenção STCW).

AMSA - Guidance - international certificates

AMSA - International qualifications

AMSA - Country eligibility for certificates of recognition

AMSA - Marine Order 70 - Seafarer Certification

O melhor ensino marítimo