[Vídeo] Quatro Pecados Marítimos em Portugal
/Como em todas as nações, o setor do transporte marítimo apresenta virtudes e pecados. Portugal não é exceção.
Conheça os quatro pecados marítimos nacionais: ensino marítimo; sindicatos do mar; governação do mar; e política do mar, em vídeo entrevista conduzida e publicada pelo Jornal da Economia do Mar.
Se desejamos a mudança para melhor, importa conhecer os nossos pontos fracos. Virar a cara para o lado, assobiar ou fingir que não vemos o elefante na sala, não são opções.
O Jornal da Economia do Mar publicou recentemente o vídeo com a entrevista a Álvaro Sardinha, fundador e diretor da APORMAR, no qual são apresentados e analisados quatro pecados marítimos em Portugal.
Apresentamos um texto de apoio cuja leitura recomendamos antes de visualizar o vídeo.
Este texto é um resumo da publicação "Quatro Pecados Marítimos", na qual é realizada uma abordagem detalhada e profunda sobre o ensino marítimo; os sindicatos do mar; a governação do mar; e a política do mar em Portugal.
🔥 ENSINO MARÍTIMO
O ensino marítimo é um excelente ponto de partida para iniciar uma surpreendente viagem por quatro pecados marítimos. A formação de recursos humanos para a área marítima, adequada e em quantidade e qualidade, constitui um pilar fundamental em qualquer estratégia de desenvolvimento da economia do mar. O que estamos a fazer em Portugal?
De acordo com informação publicada na sua plataforma online, “(…) A DGRM é a entidade competente para homologar os cursos de formação profissional dos marítimos e emitir os certificados profissionais dos marítimos”. Neste contexto, publicita a lista das Entidades Formadoras dos Marítimos Acreditadas para a atividade de formação e ensino marítimo, que copiamos de seguida:
Centro de Formação Profissional das Pescas e do Mar (FOR-MAR)
Escola Superior Náutica Infante D. Henrique (ENIDH)
Instituto Profissional de Transportes e Logística da Madeira (IPTL)
Instituto de Tecnologias Náuticas (ITN)
Vale a pena procurar conhecer alguns aspetos relevantes sobre as entidades referidas.
🔥 SINDICATOS MARÍTIMOS
Sindicatos do mar, o segundo pecado do transporte marítimo. Primeiro porque são demasiados, fragmentando as vozes e fragilizando posições. Depois, porque se verificam conflitos de interesses entre a sua missão e as atividades desenvolvidas como coletivo, ou promovidas por alguns dos seus dirigentes.
Para que servem os sindicatos
De acordo com o Código do Trabalho (Artigo 442.º), um sindicato é definido como “a associação permanente de trabalhadores para defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais”. De acordo com o mesmo artigo, uma federação (de sindicatos) é definida como “a associação de sindicatos de trabalhadores da mesma profissão ou do mesmo sector de actividade”. Define também (Artigo 444.º) que “o trabalhador não pode estar simultaneamente filiado, a título da mesma profissão ou actividade, em sindicatos diferentes”.
As definições apresentadas são claras. Compreende-se a missão das associações sindicais e a concorrência entre as mesmas, num mesmo setor de atividade ou profissão, pela conquista do maior número possível de trabalhadores sindicalizados. Fica, porém, por identificar a fronteira que separa os interesses dos trabalhadores e os interesses próprios do sindicato ou associação sindical constituída.
Observando especificamente os sindicatos associados ao setor de atividade do transporte marítimo e profissões marítimas, chegamos facilmente às conclusões e reflexões devidas.
🔥 GOVERNAÇÃO MARÍTIMA
Não é fácil nem simples definir o significado de governação. De acordo com o Institute on Governance (IOG), existe necessidade de governação sempre que um grupo de pessoas se reúne para realizar um fim. Acrescenta ainda que, regra geral, a governação se apoia em três dimensões: autoridade, tomada de decisão e responsabilidade.
Governação define-se assim pela forma como a sociedade ou grupos dentro dela se organizam, quem tem poder, quem toma decisões, como as várias partes interessadas fazem ouvir a sua voz e como os serviços prestados (resultados) são auditados e verificados (prestação de contas).
A qualidade da governação está intrinsecamente ligada à excelência das pessoas envolvidas e à eficácia e robustez dos processos estabelecidos, exigindo liderança, transparência, competência e comunicação;
A eficácia da governação exige visão par reconhecer o que não está bem; agilidade na implementação de medidas corretivas; e determinação nas decisões para fazer acontecer o que está certo; e
A eficiência da governação depende do sentido de urgência e celeridade de ações, suportada por partilha de informação útil, utilizando instrumentos que contrariem a burocracia.
A atual governação marítima em Portugal herdou erros do passado e, apesar de todos os esforços, persistem incoerências e pouco interesse pelos navios e pelas pessoas que trabalham a bordo.
🔥 POLÍTICA DO MAR
Pouco interessa agora falar das políticas para o mar seguidas no passado. Importa agora falar de futuro. Com este objetivo focamo-nos na nova Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 (ENM 2021-2030), um instrumento de política pública para o Mar que apresenta a visão, objetivos, áreas de intervenção e metas do país para o período 2021–2030, a qual sucede à Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020.
A Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 assenta no reconhecimento de que, na década 2020-2030, o oceano será recentrado nas dimensões ambiental, social, económica e geopolítica. É constituída por duas Partes: A Parte I, que inclui a apresentação da visão, objetivos estratégicos e áreas de intervenção prioritárias; e a Parte II, que apresenta um Plano de Ação com 160 medidas.
O Plano de Ação da ENM 2021-2030 contém um conjunto de 160 Medidas e ações distribuídas de forma matricial, por 10 objetivos estratégicos e por 13 áreas de intervenção prioritárias.
Plano de ação ou declaração de intenções?
A Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 apresenta um plano de ação sonhador. Ou, melhor, uma declaração de intenções. Destaca-se, por exemplo, a Medida n.º 125 que prevê a criação de um Centro Nacional de Treino e Formação em Segurança Marítima, tendo em conta as necessidades de qualificação e certificação dos profissionais do mar e as exigências das principais convenções internacionais. Falta responder às seguintes questões:
Qual será, ou quais serão, as entidades envolvidas na criação deste Centro Nacional de Treino e Formação em Segurança Marítima? É uma iniciativa pública, privada ou mista?
O público-alvo deste Centro são os marítimos portugueses ou trata-se de um Centro de nível internacional, com formação em inglês?
Existe alguma localização prevista para o referido Centro?
Qual a data em que estará disponível e em funcionamento o referido Centro Nacional de Treino e Formação em Segurança Marítima?
Vale também a pena interpretar a Medida n.º 48, a qual prevê "Reduzir barreiras administrativas à atividade profissional dos marítimos". Que barreiras estão identificadas nesta Medida?
Finalmente, a política para o mar parece ser dividir para reinar, diluindo responsabilidades entre o Ministério do Mar e o Ministério das Infraestruturas e da Habitação, de acordo com o regime da organização e funcionamento do (atual) XXII Governo Constitucional.
Uma leitura atenta leva a questionar quem manda no setor do transporte marítimo? O Ministério do Mar ou o Ministério das Infraestruturas e da Habitação? Ou serão ainda outros?
🔥 CONCLUSÕES
Perante todos os temas apresentados, concluímos que existem, pelo menos, quatro pecados marítimos em Portugal. Não são de agora; as suas raízes perdem-se no tempo e nas caves de organizações e memórias.
A fraqueza das entidades e das pessoas com poder e responsabilidade para resolver as questões, conduz a soluções enviesadas e limitadas, servindo grupos de interesse em detrimento da construção e partilha de benefícios comuns, promovendo a discriminação e prejudicando milhares de pessoas e o país.
As pessoas foram esquecidas. Persistem as dificuldades para quem quer trabalhar em navios. Todas as semanas vários portugueses passam fronteiras para procurar formação marítima em Espanha ou no Reino Unido, porque a oferta em Portugal é inadequada e claramente insuficiente. Muitos portugueses não chegam a iniciar carreiras profissionais em navios porque a burocracia e os custos são assustadores.
Como vamos concretizar o desígnio do Mar Portugal sem pessoas?
É tempo de aproximar pessoas e oceano, de apostar na simplificação e inovação, tempo de apostar forte nas carreiras e emprego marítimo, no ensino das profissões do mar, da literacia do oceano, na promoção do emprego marítimo nacional e internacional. Em suma, é tempo de criar uma verdadeira nação marítima (que já fomos, mas que não somos atualmente).
É tempo de chamar Homens maiores para liderar a mudança e afastar gestores políticos das instituições marítimas. É tempo de deixar de promover interesses particulares, menores e secundários; é tempo de olhar e escutar, ver mais longe, ouvir com atenção.
Outros, são os olhos com que devemos ver.
É tempo de pensar Portugal!