Segundo pecado: sindicatos marítimos
/Existem demasiados sindicatos marítimos em Portugal, fragmentando vozes e fragilizando posições. Como se não bastasse, somam-se conflitos de interesses que subtraem transparência e alteram prioridades. Pagam os marítimos. E pagam caro.
Se desejamos a mudança para melhor, importa conhecer os nossos pontos fracos. Virar a cara para o lado, assobiar ou fingir que não vemos o elefante na sala, não são opções.
🔥 SINDICATOS MARÍTIMOS EM PORTUGAL
Sindicatos do mar, o segundo pecado do transporte marítimo. Primeiro porque são demasiados, fragmentando as vozes e fragilizando posições. Depois, porque se verificam conflitos de interesses entre a sua missão e as atividades desenvolvidas como coletivo, ou promovidas por alguns dos seus dirigentes.
Para que servem os sindicatos
De acordo com o Código do Trabalho (Artigo 442.º), um sindicato é definido como “a associação permanente de trabalhadores para defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais”. De acordo com o mesmo artigo, uma federação (de sindicatos) é definida como “a associação de sindicatos de trabalhadores da mesma profissão ou do mesmo sector de actividade”. Define também (Artigo 444.º) que “o trabalhador não pode estar simultaneamente filiado, a título da mesma profissão ou actividade, em sindicatos diferentes”.
As definições apresentadas são claras. Compreende-se a missão das associações sindicais e a concorrência entre as mesmas, num mesmo setor de atividade ou profissão, pela conquista do maior número possível de trabalhadores sindicalizados. Fica, porém, por identificar a fronteira que separa os interesses dos trabalhadores e os interesses próprios do sindicato ou associação sindical constituída.
Observando especificamente os sindicatos associados ao setor de atividade do transporte marítimo e profissões marítimas, chegamos facilmente às conclusões e reflexões que se apresentam de seguida.
FRAGMENTAÇÃO SINDICAL
Existem em Portugal, pelo menos, 8 sindicatos ligados ao setor do transporte marítimo. Estas estruturas sindicais servem as pessoas que trabalham em embarcações de rios, águas costeiras e em alguns navios de navegação internacional, existindo inclusive alguns acordos coletivos de trabalho.
Porém, a maior parte das pessoas que trabalha em navios de mar, nomeadamente cruzeiros oceânicos, não está sindicalizada, abrigando-se em convenções internacionais que as protegem, nomeadamente a Convenção do Trabalho Marítimo (MLC 2006).
A maior parte destas pessoas sempre foi discriminada em Portugal, não tendo acesso à cédula de inscrição marítima nacional pelo facto da sua categoria profissional não estar prevista no regime jurídico dos marítimos. Não é de estranhar que “fujam” ou se escondam de todas as estruturas nacionais que, aparentemente, apenas lhes assaltam a carteira.
Seria de esperar que, com a entrada em vigor do novo regime jurídico do marítimo, conforme disposto no Decreto-Lei 166/2019, esta situação tivesse sido resolvida, mas, mais de um ano depois, tudo continua na mesma. De facto, continuam a ser emitidas as cédulas antigas com as mesmas limitações de categorias. Sobre este tema recomendamos a leitura atenta do artigo “Este país não é para marítimos”
Destacam-se em Portugal duas grandes centrais sindicais:
A Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional (CGTP-IN), cujos sindicalistas estão, na sua maioria, conotados com o Partido Comunista e outros partidos de esquerda; e
A União Geral de Trabalhadores (UGT), cujos sindicalistas estão, na sua maioria, conotados com o Partido Socialista e com o Partido Social Democrata.
No domínio do transporte marítimo, a CGTP-IN engloba as seguintes entidades:
FECTRANS – Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações que inclui os seguintes sindicatos:
SIMAMEVIP - Sindicato dos Trabalhadores da Marinha Mercante, Agências de Viagem, Transitário e Pesca
STFCMM - Sindicato dos Transportes Fluviais, Costeiros e da Marinha Mercante
OFICIAISMAR - Sindicato dos Capitães, Oficiais Pilotos, Comissários e Engenheiros da Marinha Mercante
No domínio do transporte marítimo, a UGT engloba as seguintes entidades:
FESMAR - Federação de Sindicatos dos Trabalhadores do Mar, que inclui os seguintes sindicatos:
SEMM - Sindicato dos Engenheiros Marinha Mercante;
SINCOMAR - Sindicato dos Capitães Oficiais da Marinha Mercante;
SITEMAQ - Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra; e
SMMCMM - Sindicato da Mestrança e Marinhagem de Câmaras da Marinha Mercante.
Independentes da FESMAR, existem ainda dois outros sindicatos filiados na UGT e associados ao transporte marítimo:
SOEMMM - Sindicato dos Oficiais e Engenheiros Maquinistas da Marinha Mercante; e
SITRA - Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes.
Tantos sindicatos para tão poucos marítimos.
CONFLITOS DE INTERESSES
Os sindicatos atraem pessoas de muitos setores de atividade. Algumas chegam a posições relevantes, incluindo a presidência e cargos de direção. Aos titulares destes altos cargos são delegados poderes e a responsabilidade de servir o país, os seus membros sindicalizados e os trabalhadores em geral, sendo-lhes exigido isento e irrepreensível comportamento ético, afastado de agendas pessoais e de grupos de interesses corporativos.
António Alexandre Delgado é o atual secretário-geral do Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra (SITEMAQ), sindicato integrante da Federação de Sindicatos dos Trabalhadores do Mar (FESMAR).
É também sócio da empresa PrimeMarineShip. Esta empresa tem como atividade a gestão de navios, incluindo a “colocação de oficiais e tripulação de ponte / convés e máquina com experiência apropriada, qualificações e certificados. Colocação de tripulantes de navios de cruzeiro dotados de larga experiência de hotelaria, alimentação e bebidas e de equipas multilingues de entretenimento e de ocupação de tempos livres.”
Mantém várias parcerias, desenvolvendo “Estreita colaboração com a Escola Náutica portuguesa, com a possibilidade de recrutar os melhores cadetes da escola. Parceria com o ITN (Instituto Português Náutico de formação de técnicos intermédios ao nível do setor dos Transportes Marítimos, Manutenção de Navios de Comércio e Náutica de Recreio).”
Em 9 de setembro de 2017, é publicado artigo no Jornal Público, com o título “Dirigente sindical da UGT tem empresa que selecciona trabalhadores para cruzeiros no Douro”
O texto publicado expressa que “Alexandre Delgado é o presidente do sindicato que mais trabalhadores representa a bordo dos barcos do Douro. Mas também é sócio-gerente da Prime Marine Ship, uma empresa que ajuda a recrutar trabalhadores também para esses barcos. Sindicalista não vê incompatibilidade. Já estava na Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores do Mar (Fesmar), afecta à UGT, quando se tornou sócio-gerente da Prime Marine Ship, uma empresa que presta serviços a alguns operadores turísticos do Douro, fazendo “recolha de currículos, entrevistas de emprego e selecção” de trabalhadores para os barcos. Alexandre Delgado está seguro de que “as duas actividades não são incompatíveis”, até porque a sua empresa “não tem a palavra final no recrutamento do trabalhador”.”
Em 2018, a PrimeMarineShip venceu o concurso público lançado pelo Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA) com a designação “Contratação de Serviços marítimos – tripulação”. No âmbito do contrato de prestação de serviços, inclui-se a seleção e alocação de tripulantes a várias embarcações geridas pelo IPMA.
João de Deus Pires presidiu à UGT entre 2009 e 2013. É também presidente da Federação de Sindicatos dos Trabalhadores do Mar (FESMAR) e presidente do Sindicato dos Engenheiros Marinha Mercante (SEMM). É ainda inspetor da International Transport Workers' Federation (ITF).
João de Deus Gomes Pires é o atual presidente da direção da AEMAR – Associação de Estudos e Ensino para o Mar. António Alexandre Picareta Delgado é também membro da direção.
A AEMAR – Associação de Estudos e Ensino para o Mar é uma Pessoa Coletiva de utilidade Pública (PCUP), “uma associação sem fins lucrativos, criado pelos elementos mais representativos do sector náutico e marítimo, quer a nível das Entidades Empregadores quer a nível das Associações Sindicais. A AEMAR é proprietária do ITN – Instituto de Tecnologias Náuticas e pretende assim reforçar os mecanismos de apoio à inserção dos jovens na vida ativa. A AEMAR/ITN foi criada em 1991 (contrato-programa, homologado em 8 de julho de 1991)”.
De acordo com o disposto na escritura de constituição da AEMAR – Associação de Estudos e Ensino para o Mar, os “elementos mais representativos do sector náutico e marítimo” foram na realidade apenas 3 entidades sindicais: o SEMM, a FESMAR e o SITEMAQ.
A referida escritura explicita ainda que “Compete à Direcção praticar todos os actos necessários à prossecução dos fins da “AEMAR” ao desenvolvimento da sua actividade, dispondo para o efeito dos mais amplos poderes de gestão”. Acrescenta ainda que “A AEMAR fica obrigada pela assinatura de dois membros da Direcção”.
Onde se revelam as prioridades
Na plataforma online do Sindicato da Mestrança e Marinhagem da Marinha Mercante, Energia e Fogueiros de Terra (SITEMAQ), sindicato integrante da Federação de Sindicatos dos Trabalhadores do Mar (FESMAR), e no qual António Alexandre Picareta Delgado é o atual secretário-geral, encontra-se publicado um texto intitulado “Informação útil – aos profissionais maquinistas, embarcados em navios de pesca”. No mesmo pode ler-se a seguinte informação:
“(…) Neste contexto, vimos alertar todos os marítimos da área de máquinas que devem tratar de procurar inscrever-se para a frequência dos cursos pertinentes, junto das entidades formadoras autorizadas, de modo a regularizarem a sua situação profissional no que à certificação STCW e STCW-F diz respeito, no mais curto prazo possível. Mais informamos que estes cursos em Portugal podem ser frequentados nas entidades formadoras autorizadas a ministrar este tipo de formação (na sua totalidade ou parte dela), sendo: AEMAR/ITN – Associação de Estudos e Ensino para o Mar/Instituto de Tecnologias Náuticas; e IPTL – Instituto Profissional de Transportes e Logística da Madeira”.
No texto não é mencionado que o FOR-MAR e a ENIDH são também entidades formadoras autorizadas a ministrar a formação referida, excluindo as mesmas do conjunto de possibilidades que os profissionais podem optar. Importa referenciar que o FOR-MAR realiza formação em todo o país, desde Matosinhos a Olhão, praticando preços competitivos e estando os seus centros próximos dos utilizadores. O ITN tem apenas um centro de formação, localizado em Lisboa, obrigando a dispendiosas despesas com deslocação e estadia dos alunos.
Face ao exposto é tempo para questionar: os sindicatos devem servir prioritariamente os trabalhadores ou os seus próprios e intricados interesses?
Por fim, importa referir a plataforma online STCW-IS. Desenvolvido pela Agência Europeia de Segurança Marítima (EMSA), o STCW-IS é um sistema de informação baseado na web, projetado para ajudar todos os que desejam encontrar informações confiáveis sobre as administrações marítimas nacionais e instituições de ensino e formação marítima (MET maritime education and training).
Curiosamente, a plataforma STCW-IS apenas identifica duas instituições de ensino marítimo reconhecidas em Portugal: o ITN e a ENIDH. Nem o FOR-MAR nem o IPTL fazem parte da lista, apesar de serem aprovadas pela DGRM.
Alguém anda a dormir no posto de trabalho.
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