A STCW e o “Controlo” de Multidões

Apesar da IMO (International Maritime Organization) considerar o tema “gestão de multidões em situações de emergência” como “crowd management”, a regulamentação da certificação e implementação dos respetivos cursos de qualificação em Portugal começou mal, logo às mãos do legislador.
Efetivamente, o título original foi traduzido para a legislação nacional como “controlo de multidões”, o que sendo manifestamente incorreto, contaminou todos os textos relacionados na regulamentação portuguesa. Por simpatia, ou não, a designação utilizada para este curso pelas instituições de ensino portuguesas herdou o mesmo erro. Assim, incorretamente, em Portugal e para os marítimos, existe apenas “controlo de multidões em situações de emergência”. Vejamos a dimensão do erro.

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Por definição, o controlo de multidões (crowd control) consiste na restrição ou limitação do comportamento de grupos de pessoas. Pode incluir medidas simples, como a colocação de barricadas ou barreiras, ou a utilização de medidas mais severas, como a utilização da força ou a detenção de pessoas. Este tipo de controlo é aplicado em casos em que existe (ou pode com grande probabilidade existir) desordem, pânico, conflitos graves, atos ilícitos, violência, etc.

Também por definição, a gestão de multidões (crowd management) consiste no movimento planeado e na reunião de pessoas. Este tipo de ação é aplicado em situações de emergência bem geridas, em que o alarme é dado por precaução e com antecipação suficiente, com o objetivo de evitar situações de pânico e conflitos. Efetivamente, a prevenção das emergências é sempre melhor do que a reposta às mesmas, e os navios possuem procedimentos de segurança para reduzir o risco de acidentes. No entanto, a realidade é que os acidentes sempre acontecerão, e quando o fizerem, é essencial uma ação rápida e decisiva por parte das equipas de comando, apoiadas pelo capaz e excelente desempenho de todos os tripulantes.

Outra definição de gestão de multidões esclarece que esta ação consiste na “utilização disciplinada, prática e inteligente, de competências adquiridas, de forma a controlar e direcionar multidões sob ameaça de pânico, encaminhando-as para pontos de reunião (muster stations), numa situação de emergência.” E o seu objetivo é também claro: aumentar as hipóteses de sobrevivência dos passageiros e tripulantes, em situações de emergência.

Quando a “gestão de multidões” é conduzida com eficácia, não existe necessidade de “controlo de multidões”. E os riscos de tumultos ou perdas de vidas e de bens é fortemente minimizado.

Como se pode concluir, o termo “controlo de multidões” é diferente de “gestão de multidões”. Efetivamente, como se verifica nas definições apresentadas, a designação “controlo de multidões” reflete um conjunto de competências que nada têm a ver com o objetivo do curso STCW original estabelecido pela IMO – “gestão de multidões”. Muitos portugueses confundem assim os objetivos deste curso de qualificação STCW, assumindo desde logo que apenas se aplicam os seus conteúdos em casos graves.

Existem inclusive, marítimos que consideram que a gestão de multidões se aplica em situações dramáticas que levam ao abandono de navio. Errado!
Os marítimos não devem ser chamados a desempenhar as funções de “força de intervenção” – não foram treinados nem são pagos para tal. Os marítimos devem gerir as situações de emergência, de forma a que estas nunca alcancem proporções que exijam a aplicação de medidas severas de controlo.

Sendo aparentemente tarde para corrigir este erro, estando a designação “Curso de qualificação STCW em controlo de multidões” enraizada em Portugal, podemos optar por seguir a multidão e cometer também o mesmo erro. Ou questionar a situação, com o objetivo de promover a segurança a bordo dos navios, sugerindo que a designação correta do curso referido passe a ser “Curso de qualificação STCW em gestão de multidões”.

Para concluir, importa também referir os objetivos desta qualificação, de acordo com o estipulado no Código STCW – Secção V/2, parágrafo 1:

“1. A formação em gestão de multidões, exigida pela Regra V/2, parágrafo 4, para as pessoas designadas no rol de chamada (muster list) para auxiliar passageiros em situações de emergência, deverá conter, mas não se restringindo necessariamente:
.1 conhecimento dos dispositivos salva-vidas e dos planos de controle, abrangendo:
.1.1 conhecimento do rol de chamada e das instruções para emergências,
.1.2 conhecimento das saídas de emergência, e
.1.3 restrições relativas à utilização de elevadores;

.2 a competência para auxiliar passageiros no caminho para os pontos de reunião e de embarque, abrangendo:
.2.1 a competência para dar ordens claras e tranquilizadoras,
.2.2 a gestão dos passageiros nos corredores, escadas e passagens,
.2.3 manutenção das rotas de escape desobstruídas,
.2.4 métodos existentes para a evacuação de pessoas com deficiências e de pessoas que necessitam de assistência especial, e
.2.5 busca em compartimentos habitáveis;
.3 procedimentos para reunião, abrangendo:
.3.1 a importância de manter a ordem,
.3.2 a competência para utilizar procedimentos para reduzir e evitar o pânico,
.3.3 a competência para utilizar, quando for adequado, as listas de passageiros para fazer a contagem para a evacuação, e
.3.4 a competência para assegurar que os passageiros estejam adequadamente vestidos e que tenham vestido corretamente os seus coletes salva-vidas.”

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