Quem são os Marítimos? São considerados Marítimos todas as pessoas que trabalham em navios que operam em rios? Ou apenas as que trabalham em navios de mar?
De forma simplificada, Marítimo é uma classe atribuída a todas as pessoas que trabalham a bordo de navios, em qualquer categoria ou profissão.
Em França são chamados “Marins” ou “Gens de Mer”;
Em Espanha são designados “Marinos” ou “Gente de Mar”;
Em Itália são conhecidos por “Marittimi” ou “Gente di Mare”;
No Reino Unido são conhecidos por “Seafarers” ou “Seaman’s”;
Nos EUA são classificados como “Merchant Mariners” ou “Mariners”;
No Brasil são conhecidos por “Aquaviários”, classificação que engloba 6 grupos: “Marítimos”, “Fluviários”, “Pescadores”, “Mergulhadores”, “Práticos” e “Agentes de manobra e docagem”;
Em Portugal é-lhes atribuída a classe de “Marítimos”.
Todas as designações estão associadas ao meio em que o navio exerce a atividade: o mar (incluindo o oceano e os diversos mares). Porém, a classificação de marítimo também é, em determinadas condições, atribuída a pessoas que trabalham em navios que operam exclusivamente em águas navegáveis (rios e lagos).
Este tema gera muitas vezes polémica, existindo divergência de interpretação das leis e convenções num mesmo país e diversidade de aplicação das mesmas entre diferentes países.
Funções a bordo dos navios
Em termos de agrupamentos por funções a bordo, verifica-se também diversidade entre países. Normalmente as pessoas que trabalham em navios são classificadas por escalões, que por sua vez podem incluir várias categorias profissionais.
No Brasil os Aquaviários são divididos em Oficiais e Subalternos (todos os outros);
No Reino Unido os “Seafarers” são divididos em “Certificated officers”, “Uncertificated officers” “Officer cadets” e “Ratings” (todos os outros);
Em Portugal existem 3 escalões de marítimos: “Oficiais”, “Mestrança” e “Marinhagem”.
Vale a pena explorar e clarificar.
🛳️ DEFINIÇÃO NACIONAL DE MARINHA MERCANTE
Segundo a lei portuguesa, a marinha mercante inclui as embarcações de comércio, de pesca, rebocadores e embarcações auxiliares. A fundamentação está disponível no Regulamento Geral das Capitanias (Decreto-Lei n.º 265/72 – versão atualizada) do qual se transcrevem definições relevantes:
“ARTIGO 19.º - Classificação das embarcações quanto às atividades a que se destinam
1 - As embarcações da marinha nacional, incluindo as do Estado não pertencentes à Armada, a forças e serviços de segurança interna e a outros órgãos do Estado com atribuições de fiscalização marítima, em conformidade com as atividades a que se destinam, classificam-se em:
a) De comércio;
b) De pesca;
c) De recreio;
d) Rebocadores;
e) De investigação;
f) Auxiliares;
g) Outras do Estado.
2 - As embarcações a que se referem as alíneas a), b), d) e f) do número anterior constituem a marinha mercante e designam-se por embarcações mercantes.”
“ARTIGO 20.º - Embarcações de comércio
Embarcações de comércio são as destinadas ao transporte de pessoas e de carga, mesmo quando desprovidas de meios de propulsão, considerando-se como tal as que só podem navegar por meio de rebocadores.”
“ARTIGO 24.º - Embarcações auxiliares
Embarcações auxiliares são as que se empregam em serviços não abrangidos nos artigos anteriores, mesmo as desprovidas de meios de propulsão, e cuja designação lhes é dada conforme o serviço especial a que se destinam.”
“ARTIGO 33.º - Classificação das embarcações de comércio quanto à natureza do transporte que efetuam
1. As embarcações de comércio nacionais, quanto à natureza do transporte que efetuam, classificam-se em:
a) De passageiros, as destinadas ao transporte de mais de doze passageiros;
b) De carga, as que não são de passageiros.
2. As embarcações de carga dividem-se, ainda, em:
a) De carga geral, as destinadas ao transporte de mercadorias de diversa natureza;
b) Especializadas, as que oferecerem a totalidade da sua capacidade de carga para transporte de mercadoria ou mercadorias com características uniformes em relação às necessidades do transporte marítimo.
Conforme apresentado, a definição de marinha mercante depende das atividades exercidas pelas embarcações e não da localização onde a mesma é realizada (rios, lagos, mares ou oceano).
🛳️ DEFINIÇÕES DE NAVIO, BARCO E EMBARCAÇÃO
Para que seja possível esclarecer a quem pode ser atribuída a classificação de marítimo, é fundamental clarificar as diferenças entre navio, barco e embarcação. Não é fácil encontrar uma sustentação das diferenças suportada por diplomas legais, mas a vasta bibliografia publicada não deixa dúvidas:
Navio
Decreto-Lei n.º 201/98 - Estabelece o estatuto legal do navio
”Artigo 1.º
1 - Para efeitos do disposto no presente diploma, navio é o engenho flutuante destinado à navegação por água.”
Embarcação, barco e navio
”Embarcação é uma construção feita de madeira, concreto, ferro, aço ou da combinação desses e outros materiais, que flutua e é destinada a transportar pela água pessoas ou coisas.
Barco tem o mesmo significado, mas usa-se pouco.
Navio, nau, nave, designam, em geral, as embarcações de grande porte; (…) o termo embarcação é particularmente usado para designar qualquer das embarcações pequenas transportáveis a bordo dos navios, e também as empregadas pelos estabelecimentos navais, ou particulares, para os seus serviços de porto.” Maurílio Magalhães Fonseca - Arte Naval Volume I
Navio e barco
”Um navio é uma nave. Conduzir uma nave é navegar, ou seja, a palavra vem do latim navigare, navis (nave) + agere (dirigir ou conduzir). (...) Significado natural de barco é o de um navio pequeno (ou um navio é um barco grande).” Marinha do Brasil - Conhecendo o navio
Navio e embarcação
”(i) o navio é uma espécie do género embarcação; (ii) o género embarcação compreende vários engenhos navais que se locomovem ou flutuam sobre as águas; e (ii) a espécie navio está limitada às embarcações que sejam usadas na navegação, isto é, embarcações que transportam mercadorias ou pessoas sobre águas navegáveis, para determinado destino.” Maria Augusta Paim - CONJUR
Barco, embarcação, navio
”Barco - Embarcação de pequenas dimensões e sem coberta; designação genérica de qualquer tipo de embarcação; nome vulgar de embarcação ou navio; pequena embarcação fluvial.
Embarcação - Navio; barco; qualquer construção destinada a viajar sobre a água; termo correntemente usado para designar construções navais modestas.
Navio - Embarcação de grande tonelagem, com mais de uma coberta; nau; qualquer embarcação mastreada; embarcação coberta destinada a navegar no mar ou rios muito caudalosos; qualquer barco grande, de guerra ou mercante.” NÁUTICO
1ª Regra básica (embora nem sempre se aplique):
Um navio pode transportar um barco, mas um barco não pode transportar um navio.
2ª Regra básica (embora nem sempre se aplique):
Um navio tem, normalmente, condições de habitabilidade; um barco pode não ter.
CONCLUSÃO
Navio é uma grande embarcação, com mais de uma coberta*, com capacidade para transportar as suas próprias embarcações (salva-vidas, etc.), e utilizado para transportar pessoas e/ou carga.
O estatuto de Navio é independente do meio aquático onde o mesmo navega (rios, lagos, mares ou oceano).
* Coberta é um espaço ou pavimento abaixo do convés principal (1º convés ou simplesmente convés).
🛳️ DEFINIÇÃO DE MARÍTIMO
O que diz a Convenção de Documentos de Identidade de Marítimos, 2003 (C185)
A Convenção C185 (Seafarers' Identity Documents Convention) é um instrumento da ILO (International Labour Organization), uma agência especializada das Nações Unidas. Entrou em vigor em 2017. Na referida Convenção podemos ler no artigo 1, número 1:
"Para os fins desta Convenção, o termo marítimo significa qualquer pessoa que está empregada, contratada, ou que trabalha em qualquer função a bordo de um navio, habitualmente dedicado à navegação marítima (exceto navios de guerra)."
O que diz a Convenção do Trabalho Marítimo (MLC 2006)
A Convenção MLC 2006 (Maritime Labour Convention) é um instrumento da ILO (International Labour Organization), uma agência especializada das Nações Unidas, tendo sido adotada até à data por 97 países. Na referida Convenção podemos ler no artigo II, parágrafo 1 (f):
“Marítimo (seafarer) designa qualquer pessoa empregada ou contratada ou que trabalha, a qualquer título, a bordo de um navio ao qual se aplique a presente convenção.”
E no artigo II, parágrafo 1 (i) é explicitada a que navios se aplica a convenção:
“Navio designa qualquer embarcação que não navegue exclusivamente em águas interiores, em águas abrigadas ou nas suas imediações, ou em zonas onde se aplique uma regulamentação portuária.”
O que diz a UK Maritime & CoastGuard Agency (MCA)
A Maritime & CoastGuard Agency do Reino Unido reconhece a importância da definição estabelecida na MLC 2006 e, na respetiva implementação interna da mesma, acrescenta e clarifica:
“Marítimo (seafarer) designa qualquer pessoa, incluindo o comandante, que esteja empregada ou contratada ou que trabalhe em qualquer função ou categoria, a bordo de um navio e cujo local normal de trabalho é num navio.”
O que diz a Agência Europeia de Segurança Marítima (EMSA)
No seu relatório “Annual overview of marine casualties and incidents 2018” (página 166), é apresentada a seguinte clarificação:
“7. Persons on board are categorised as follow:
• Crew members / seafarers (any person who is employed or engaged or works in any capacity on board a ship);
• Passengers; and
• Others, for example persons working in harbours to load or unload ships.”
O que diz a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM)
A DGRM dispõe na sua plataforma online que:
“Marítimo é qualquer pessoa empregada ou contratada ou que trabalha, a qualquer título, a bordo de um navio mercante (comércio, pescas ou tráfego local), habilitado com as respetivas qualificações profissionais e detentor dos certificados relevantes.”
CONCLUSÕES
A partir das definições acima apresentadas, podemos concluir que marítimo (seafarer) é qualquer pessoa que realiza o seu sustento, através do trabalho a bordo de navios. Quer a atividade profissional seja de piloto do navio, médico, músico, massagista, ou qualquer outra disponível nos mesmos.
Importa esclarecer, à luz das definições anteriores, que uma pessoa que embarca num navio como passageiro e que, enquanto a bordo, decide trabalhar na sua atividade (escrever, enviar emails, gerir remotamente, etc), não é um marítimo.
Concluímos também que a classificação de marítimos (seafarers) é normalmente atribuída a pessoas que trabalham em navios que habitualmente navegam em oceano e mares.
Mas a classificação de marítimos é também atribuída a pessoas que trabalham em navios de tráfego local (ver definição apresentada pela DGRM).
Para entendermos este tema de forma sustentada, torna-se fundamental definir o que são embarcações de tráfego local e entender o conceito de águas interiores.
🛳️ CONCEITO DE ÁGUAS INTERIORES
Existem várias definições para o conceito de águas interiores, a nível nacional e internacional, as quais apresentamos de seguida.
Segundo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS):
“ARTIGO 8.º - Águas interiores
1 — Excetuando o disposto na parte IV (Estados arquipélagos – não é o caso de Portugal), as águas situadas no interior da linha de base do mar territorial fazem parte das águas interiores do Estado.”
Nota do autor: interpretando e complementando o artigo acima, as águas interiores incluem as águas dos rios, lagos, lagoas e canais do território nacional, interiores às linhas de base a partir das quais tem origem a medição do Mar Territorial, sendo a soberania do Estado plenamente exercida nestas águas.
Segundo a lei da Água (Lei n.º 58/2005)
A Lei da Água estabelece o enquadramento para a gestão das águas superficiais, designadamente as águas interiores, de transição e costeiras, e das águas subterrâneas. (Transpôs para o ordenamento jurídico nacional, a Diretiva n.º 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho - Diretiva Quadro da Água).
“ARTIGO 4.º - Definições
(…) b) «Águas costeiras» as águas superficiais situadas entre terra e uma linha cujos pontos se encontram a uma distância de 1 milha náutica, na direção do mar, a partir do ponto mais próximo da linha de base a partir da qual é medida a delimitação das águas territoriais, estendendo-se, quando aplicável, até ao limite exterior das águas de transição;
c) «Águas de transição» as águas superficiais na proximidade das fozes dos rios, parcialmente salgadas em resultado da proximidade de águas costeiras, mas que são também significativamente influenciadas por cursos de água doce;
e) «Águas interiores» todas as águas superficiais lênticas ou lóticas (correntes) e todas as águas subterrâneas que se encontram do lado terrestre da linha de base a partir da qual são marcadas as águas territoriais;
h) «Águas territoriais» as águas marítimas situadas entre a linha de base e uma linha distando 12 milhas náuticas da linha de base; (…)”
Nota do autor: águas lênticas incluem lagos; águas lóticas incluem rios. A imagem seguinte ilustra a definição de linhas de base (Straight Baseline) na região de Lisboa, identificando as zonas classificadas como águas interiores (Internal Waters) e os limites do Mar Territorial.
🛳️ DEFINIÇÃO DE EMBARCAÇÕES DE TRÁFEGO LOCAL
As embarcações de tráfego local encontram-se perfeitamente definidas e enquadradas no Regulamento Geral das Capitanias (Decreto-Lei n.º 265/72 – versão atualizada) do qual se transcrevem definições relevantes:
“ARTIGO 25.º - Classificação das embarcações de comércio quanto à área em que podem operar
As embarcações de comércio, quanto à área em que podem operar, classificam-se em:
a) De tráfego local;
b) De navegação costeira nacional ou internacional;
c) De cabotagem;
d) De longo curso.”
“ARTIGO 26.º Embarcações de tráfego local
1. Embarcações de tráfego local são as que operam dentro dos portos e respetivos rios, rias, lagos, lagoas e esteiros e, em geral, dentro das águas interiores da área de jurisdição da capitania ou delegação marítima em que estão registadas.”
São embarcações de tráfego local os navios que operam nos rios?
Sim. Os navios que operam nos rios, por exemplo os navios de cruzeiros, são consideradas embarcações de tráfego local.
Tal afirmação é fundamentada no Artigo 26.º n.º 1, o qual dispõe que as embarcações que operam ao longo dos percursos dos rios, áreas cuja jurisdição pertence às Capitanias ou delegações marítimas, são consideradas embarcações de tráfego local.
Se analisarmos o alcance da jurisdição das Capitanias dos Portos, entendemos perfeitamente esta fundamentação. Por exemplo, a Capitania do Porto do Douro tem jurisdição sobre “(…) o Rio Douro, desde a entrada da barra até ao limite do curso nacional do rio, sito na zona de Barca d’Alva”. Situação semelhante ocorre no rio Tejo.
Podemos agora concluir que, pelo menos à luz da legislação portuguesa, são considerados marítimos todas as pessoas que trabalham em navios de mar e também em navios de rio, sendo os mesmos considerados embarcações de tráfego local.
🛳️ REGIME JURÍDICO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL DO MARÍTIMO
O regime jurídico da atividade profissional do marítimo encontra-se estabelecido no Decreto-Lei n.º 166/2019, que revogou o Decreto-Lei n.º 280/2001.
Tal como disposto no Regulamento Geral das Capitanias apresentado previamente, também o regime jurídico da atividade profissional do marítimo (Decreto-Lei n.º 166/2019), confirma que são considerados marítimos as pessoas que trabalham a bordo de navios de mar e de tráfego local, como disposto no seu artigo 2.º n.º 1:
“ARTIGO 2.º - Âmbito de aplicação
1 — O presente decreto-lei aplica-se aos marítimos que exercem a sua atividade a bordo de navios e embarcações de comércio, de pesca, de tráfego local, auxiliares, de reboque e de investigação ou plataformas de exploração ao largo que arvorem a bandeira nacional.”
Porém, dispõe de forma contraditória no n.º 5 do mesmo artigo, onde apresenta o conceito de “águas interiores não marítimas” (sem o definir), no qual estabelece:
”5 — O presente decreto-lei não se aplica aos seguintes navios ou embarcações:
(…) b) Embarcações que naveguem exclusivamente em águas interiores não marítimas; (…)”
Fica assim estabelecida uma contradição entre dois pontos do mesmo artigo no Decreto-Lei n.º 166/2019 (n.º 1 e n.º 5).
A definição de marítimo estabelecida no número 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 166/2019 não acrescenta qualquer clarificação, como se conclui através da transcrição:
“ARTIGO 3.º - Marítimo
1 — Considera-se marítimo, para os efeitos previstos no presente decreto-lei, o indivíduo habilitado a exercer, a bordo de um navio ou embarcação, como tripulante, as funções correspondentes às categorias de que é detentor ou outras funções legalmente previstas.
3 — Sem prejuízo do disposto no número seguinte, só pode exercer a atividade profissional de marítimo o indivíduo inscrito como tal junto da administração marítima.”
Infelizmente, o número 3 do mesmo artigo introduz um erro grave ao estabelecer, erradamente, que “só pode exercer a atividade profissional de marítimo o indivíduo inscrito como tal junto da administração marítima”. De facto, uma grande parte das pessoas que trabalham em embarcações e navios de cruzeiros, em rios, mares e oceano, nos sectores de hotelaria e turismo, não estão inscritos como marítimos junto da administração, porque tal não é um requisito para trabalhar. Não deixam no entanto de ser marítimos porque cumprem todos os requisitos para o efeito.
🛳️ CONCLUSÕES
Recuperando a questão colocada inicialmente:
— Quem são os marítimos? São considerados marítimos todas as pessoas que trabalham em navios que operam em rios? Ou apenas as que trabalham em navios de mar?
Tendo em conta as disposições acima apresentadas, não restam dúvidas que, pelo menos à luz da legislação portuguesa, são considerados marítimos todas as pessoas que trabalham em navios de mar e também em navios de rio, sendo estes últimos considerados embarcações de tráfego local.
Porém e em boa verdade, não se é marítimo por decreto, inscrição ou diploma. É-se marítimo por condição.
Independentemente de todas as fundamentações legais apresentadas, o que realmente define um marítimo são os aspetos associados à sua condição de vida.
Apresentamos de seguida os pontos que definem o marítimos e que todos eles têm em comum. São estes os verdadeiros e inquestionáveis marítimos:
Trabalham longos períodos longe da sua residência habitual;
Têm alojamento a bordo dos navios e usufruem dos serviços de alimentação, entre outros, da embarcação, passando dias consecutivos no mesmo ambiente restrito e com as mesmas pessoas;
Têm funções relacionadas com a sua qualificação base (por exemplo cozinheiro, rececionista, etc.) e assumem também funções em situações de emergência relacionadas com a segurança (safety) e a proteção (security);
Trabalham em equipas multiculturais, com marítimos provenientes de todo o mundo;
Estão normalmente privados de eventos culturais (por exemplo cinema ou teatro) e convívio com a família e amigos, que seria possível caso trabalhassem em terra.
Quem trabalhar em embarcações e não conseguir responder afirmativamente a todos os pontos apresentados, dificilmente é marítimo - pode apenas afirmar que desempenha as suas funções profissionais em meio flutuante.
São considerados marítimos todas as pessoas que trabalham e habitam em navios com operação mercante, em oceano, mares ou rios.
🛳️ O NÃO MARÍTIMO
Alguns textos referem a existência e diferenciação entre “marítimo” e “não marítimo”. É o caso do Decreto-Lei n.º 166/219, que dedica o Artigo 69.º ao tema:
“ARTIGO 69.º - Embarque de não marítimos
1 — O embarque de não marítimos, necessários à exploração comercial ou à operacionalidade de um navio ou embarcação, ou envolvidos em outras atividades, não carece de licença prévia, mas está condicionado pelo disposto no certificado de lotação de segurança quanto ao número máximo de pessoas que, a navegar, podem estar embarcadas. (…)
4 — O não marítimo embarcado não é considerado como tripulante da embarcação.”
Na realidade, não existem “não marítimos”. Assim como não existem “não cozinheiros”; “não aquaviários”; “não aeronáuticos”; “não artistas”; “não cientistas”. Também não existem funcionários “públicos” e “não públicos”. Todas as pessoas e funções devem ter designação própria, não se caracterizando pela negação da caracterização de outras.
Por exemplo, se a presença permanente de um guarda armado a bordo é necessária para a exploração comercial de um navio, mesmo que se considere que este não faz parte da tripulação, não deixa o mesmo de ser marítimo. Aliás, a maior parte dos guardas armados possuem cédula marítima, ou seja, estão inscritos como marítimos. Além disso, vivem e permanecem longos períodos de tempo a bordo e desempenham funções relacionadas com o navio - são marítimos.
Idêntica situação ocorre com os pilotos de helicópteros em navios de cruzeiros de expedição. Apesar da sua função pouco ter a ver com o navio, não deixam de ser considerados marítimos se nele trabalham e habitam, como todos os outros membros da tripulação. A mesma reflexão é aplicável a cientistas que realizam pesquisa a bordo de navios.
Como dispõe, e muito bem, a DGRM na sua plataforma online:
“Marítimo é qualquer pessoa empregada ou contratada ou que trabalha, a qualquer título, a bordo de um navio mercante (comércio, pescas ou tráfego local), habilitado com as respetivas qualificações profissionais e detentor dos certificados relevantes.”
Em conclusão, quando alguém refere ou considera que existem “não marítimos” mostra claramente que não entende o que significa ser marítimo. Mostra ainda total ignorância sobre a verdadeira dimensão e significado de trabalhar a bordo de um navio.
🛳️ DIA INTERNACIONAL DO MARÍTIMO - 25 JUNHO
A celebração do Dia Internacional do Marítimo (Day of the Seafarer DotS) tem como objetivo aumentar a visibilidade sobre a importância do trabalho dos marítimos, agradecendo a sua contribuição para a economia mundial e a sociedade civil. Reconhece os riscos e custos pessoais que suportam enquanto trabalham, expressando repetidamente a devida homenagem e profunda gratidão aos marítimos de todo o mundo.
A celebração do Dia Internacional do Marítimo nasceu por iniciativa da Organização Marítima Internacional (IMO), durante a Conferência das Partes da Convenção Internacional sobre Normas de Formação, Certificação e Serviço de Quartos para Marítimos (STCW), realizada em Manila, Filipinas, entre 21 e 25 de junho de 2010. No final desta Conferência (dia 25 de junho) foram adotadas as designadas Emendas de Manila à Convenção e Código STCW, constituindo uma grande revisão da citada regulamentação.
A Convenção STCW foi inicialmente adotada em 1978, tendo entrado em vigor em 1984. Foi posteriormente atualizada em 1995 e novamente em 2010. As emendas de 2010 entraram em vigor em 1 de janeiro de 2012 sob o procedimento de aceitação tácita. A Convenção STCW de 1978 foi a primeira a estabelecer requisitos básicos de formação, certificação e serviço de quartos (vigilância) para os marítimos a nível internacional. Anteriormente, estes padrões eram estabelecidos individualmente por cada governo, geralmente sem referência a práticas em outros países. Como resultado, os padrões e procedimentos variavam bastante, embora o transporte marítimo seja o mais internacional de todos os setores de atividade. A Convenção STCW prescreve assim padrões mínimos relativos a formação, certificação e serviço de quartos (vigilância) para os marítimos, que os países são obrigados a cumprir ou exceder.
Na referida Conferência das Partes foi também adotada uma importante resolução, que estabeleceu o “Day of the Seafarer” (Dia Internacional do Marítimo) e a sua celebração todos os anos, no dia 25 de junho. A data escolhida coincidiu com aquela em que a Conferência terminou e as revisões da Convenção STCW foram adotadas, reconhecendo o seu significado para a comunidade marítima e para aqueles que servem a bordo de navios. A resolução incentiva governos, organizações de navegação, empresas, armadores e todas as outras partes envolvidas a promover de forma adequada o Dia Internacional do Marítimo, como forma de reconhecer que quase tudo o que usamos nas nossas vidas diárias é, direta ou indiretamente, afetado pelo transporte marítimo.
Resolução “Day of the Seafarer”
Dia Internacional do Marítimo ou Dia Mundial do Marítimo?
Num país em que existe um clube de futebol conhecido por Marítimo, e várias iniciativas com esta designação (Colégio do Marítimo; Estádio do Marítimo; Dia do Marítimo), não é suficiente traduzir “Day of the Seafarer” por “Dia do Marítimo”.
Além disso, este último termo pode facilmente ser interpretado como celebração de um dia nacional, não fazendo justiça à sua dimensão global. Por estas razões, é importante atribuir um adjetivo diferenciador – internacional ou mundial.
No caso do Day of the Seafarer, o termo correto é “Dia Internacional do Marítimo” dado que este dia é oficialmente reconhecido pelas Nações Unidas, como se pode observar na plataforma United Nations Observances.
De acordo com as Nações Unidas, “Os dias internacionais são ocasiões para educar o público em geral sobre questões preocupantes, para mobilizar vontade política e recursos para enfrentar os problemas globais e para celebrar e reforçar as conquistas da humanidade (…) Ao criar observâncias especiais, as Nações Unidas promovem a conscientização e a ação internacional sobre essas questões. Cada dia internacional oferece a muitos atores a oportunidade de organizar atividades relacionadas ao tema do dia.”
A UNESCO acrescenta e esclarece que “The United Nations General Assembly designates a number of “International Days”… United Nations Specialized Agencies, including UNESCO [and IMO], can also proclaim World Days“.
A ITF utiliza a designação correta nas suas comunicações: “(…) the International Transport Worker’s Federation (ITF), whose member unions represent 1.4 millions of the world’s seafarers, acknowledges the International Day of the Seafarer (…)”
Esta informação foi ainda oficialmente confirmada por escrito com responsáveis da IMO, que esclareceram o nosso pedido de informação com a seguinte resposta: "Day of the Seafarer is an official UN day and therefore if you wish to add International that is fine."
🛳️ NÚMEROS MARÍTIMOS
Cerca de 2 milhões de pessoas trabalham a bordo de navios de mar em todo o mundo; 7,5% são mulheres.
De acordo com relatório publicado pela International Chamber of Shipping (ICS) intitulado “Diversity Tracker”, “o transporte marítimo é o motor do comércio global, transportando mais de 90% do comércio mundial em termos de tonelagem e possibilitando a movimentação de milhões de passageiros. São essenciais pessoas devidamente qualificadas para garantir um transporte seguro, ecologicamente correto e eficiente.”
O relatório estima que mais de 1 647 500 pessoas trabalham em navios, incluindo petroleiros, graneleiros, porta-contentores e navios de passageiros. Do número total de pessoas indicadas, 16 500 (1%) são mulheres.
A este número devem ainda ser adicionadas cerca de 300 000 a 350 000 pessoas que trabalham em navios de cruzeiros, das quais 28 a 30% são mulheres. Em média, considerando todos os tipos de navios, o estudo refere que 7,5% das pessoas que trabalham atualmente a bordo de navios são mulheres.
Conclui ainda que “a sustentabilidade deste setor depende da capacidade de continuar a atrair novos candidatos e a reter os atuais profissionais”. Captar e preparar pessoas para o desenvolvimento de carreiras a bordo de navios revela-se assim uma iniciativa fundamental, verificando-se a necessidade de familiarizar e de qualificar os potenciais candidatos.
🛳️ TRIBUTO AO MARÍTIMO
Sou Marítimo
Sou parte da tua vida. Mesmo que não me conheças. Vejo-te nas ruas, na televisão, em todos os lugares. Preocupo-me contigo. Ajudo a entregar as roupas que vestes, a energia que te aquece e que te move, os alimentos que suportam o teu sorriso. Ajudo-te a visitar lugares paradisíacos e a alcançares os teus maiores sonhos. Na verdade nunca estou sozinho. Basta-me fechar os olhos e vejo-te, seguindo a tua vida. Aquece-me a alma saber que tenho uma missão. E que tu és uma grande parte dela.
Sou Marítimo
Muito mais que uma profissão, ser Marítimo é uma forma de viver. A ausência de coisas triviais e de emoções comuns, a singularidade de viver num pequeno navio flutuando num mar imenso, a humilde exposição à mãe natureza, o movimento constante da plataforma e o ciclo de partida e regresso constante, criam um ambiente único. Não apenas para o corpo. Também muito para a alma.
Os Marítimos são forjados com aço e prata, em singular têmpera de coragem, força e fé, abençoados por Deus.
Sou Marítimo
Não tenho uma vida fácil no mar. Sinto falta das pessoas amadas. Sinto falta do perfume, dos sabores e das cores do meu país. Tenho saudades da rotina diária e das coisas simples. Sinto falta de intimidade. A vida no mar exige-me por completo, requerendo toda a minha energia no trabalho e na aprendizagem, enfrentando desafios infinitos. Não só físicos e técnicos. Também sociais. O transporte marítimo é um lugar multicultural e multicolorido. Nele encontramos pessoas gigantes como montanhas ensolaradas e pessoas profundas como densos abismos. Vivendo juntos num espaço confinado, compartilhando a frequência das ondas. Único. O mar é realmente a terra dos segredos. Quente e frio, azul e laranja, cinza também. Mágico e fantástico. O lugar perfeito para uma conversa profunda contigo mesmo.
Sou Marítimo
Confesso – tenho uma vida paralela. Quando estou no mar, sigo as suas regras, viajando ao redor do mundo, sonhando com o regresso a casa. Quando em casa, sigo as regras da família, imerso num oceano de amor e cuidados, pensando em regressar ao mar. Em ambos os lugares pertenço, compartilho e tento oferecer o melhor de mim. Em ambos os lugares a minha liberdade acaba onde começa a liberdade de outros. Respeito. No entanto, os diferentes habitats mudam minha atitude, o meu humor, os meus sentidos e sentimentos, vestindo-me com diferentes cores. Como um camaleão do mar. Mas, em ambos os lugares, sou sempre Marítimo.
Forjado com aço e prata, em singular têmpera de coragem, força e fé, abençoado por Deus.
Orgulho-me de ser Marítimo.
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